sexta-feira, 28 de agosto de 2015

2011

Erro médico no dia a dia da ginecologia e obstetrícia

MAI 8 • NOTÍCIAS • 2469 VIEWS • COMENTÁRIOS DESATIVADOS
Com vasto conhecimento sobre o Código de Ética Médica, Hélcio Bertolozzi Soares, membro da Comissão Estadual de Honorários Médicos da Associação Médica do Paraná e professor do Departamento de Tocoginecologia da Universidade Federal do Paraná, também já teve destacada participação em outras importantes entidades, como o Conselho Regional de Medicina do Paraná, a Associação Nacional dos Médicos Residentes ou a Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Paraná, SOGIPA. Em sua trajetória em defesa dos profissionais e da medicina, pôde acompanhar de perto o trâmite de denúncias e processos contra médicos, das mais variadas especialidades, por inúmeros motivos.
Nesta entrevista exclusiva, ele fala sobre as principais vulnerabilidades dos médicos, dos procedimentos de prevenção e também dos complicadores que induzem às denúncias. Confira.
O Conselho Federal de Medicina recentemente publicou pesquisa noticiando que até 2009 o número de denúncias a ginecologistas e obstetras representava 25% do total de processos com interposição de recurso. O que explica estes altos índices?
Nos Conselhos Regionais de Medicina as denúncias contra obstetras e ginecologistas estão próximas dos 30% de total de queixas. Todavia, isto não só acontece aqui no Brasil, mas em todo o mundo. É a especialidade de maior risco dentro da prática médica. Isto acontece em face do grande número de intercorrências dentro do pré-natal e das urgências e emergências no trabalho de parto. Quanto mais diferenciado o paciente sob a visão social e econômica, tanto menores serão as denúncias. A justiça gratuita leva a se denunciar com muita frequência. O número de denúncias é grande, mas o número de processos éticos profissionais transitados e julgados não chega à casa dos 4% de todas as denúncias.
Entre estas denúncias, quais as principais queixas?
Entre as denúncias, a mais frequente é a da relação médico-paciente-familiares, seguindo-se as de resultados inesperados, que normalmente são encaradas como “erro médico”. A medicina é uma ciência de meios, não de fins. Não se pode garantir que não haverá intercorrências durante o atendimento e que, destas, não haverá um resultado inesperado. Infelizmente.
Quanto tempo geralmente leva um processo e quais as punições cabíveis?
O tempo entre uma denúncia até o julgamento final no Conselho Federal de Medicina pode chegar a três anos. A grande maioria não ultrapassa a 18 meses. Todavia, os trâmites jurídicos podem levar a mais tempo.
Nem todas as denúncias referem-se a erros médicos. A negligência, por exemplo, também pode ser alvo de denúncia?
O Capítulo III do novo Código de Ética Médica, que versa sobre a Responsabilidade Profissional em seu Artigo 1º, destaca o chamado erro médico por dano provocado ao paciente, seja por ação ou omissão, caracterizado por imperícia, imprudência e negligência. Portanto, se a denúncia for caracterizado como negligência médica, instala-se o processo ético contra o profissional.
O médico tem o dever de informar, mas e o paciente, não tem a obrigação de perguntar?
O que defende o profissional  ou lhe impõe penalização é, sem dúvida nenhuma, a documentação apostada ao prontuário médico, seja de consultório ou hospitalar. Os dois últimos Códigos de Ética Médica (1988 e 2009) dão ao paciente a condição de informação sobre tudo o que pode ocorrer em seu atendimento. O consentimento prévio e informado ou esclarecimento é exigência cada vez mais frequente nas decisões de instâncias jurídicas e éticas. Mesmo que o paciente não questione acerca das eventuais intercorrências do ato médico é dever do profissional zelar por estes detalhes.
Casos divulgados na mídia, certas vezes com sensacionalismo, podem iludir as pacientes e instigá-las a uma denúncia sem fundamento?
Desde o último Código Civil e da Lei do Consumidor, é cada vez maior o número de questionamentos. Não se pode negar o valor da imprensa como meio de divulgação dos direitos da cidadania, porém, o enfoque sensacionalista não acrescenta nada a estas causas, apenas cria desconforto maior na relação médico-paciente. Devemos entender que isto é questão de tempo para sofrer modificações no sistema atual, como já acontece em outras partes do mundo. Penso que ao atingirmos a responsabilidade daqueles que elaboram as denúncias, haverá transformações drásticas na sociedade.
Como prevenir as denúncias de assédio?
Estas denúncias são evitadas com a presença constante da enfermagem nos exames médicos. Cabe apenas ao médico evitar este constrangimento.
 
As atuais condições de trabalho, os baixos honorários e os diversos empregos e plantões que dividem a agenda do médico podem também dificultar a relação médico-paciente e, consequentemente, suscitar denúncias?
 
Enquanto persistir a falta de um plano de cargos e salários para a carreira médica, a falta de investimento direto em saúde, a precarização da prática médica, a participação direta de intermediários na relação entre o médico e o paciente (operadoras de saúde e cooperativas) não teremos uma medicina de melhor qualidade. É necessário que não nos esqueçamos do enorme número de escolas médicas sem as condições mínimas para o aprendizado médico, a falta de vagas em residências médicas. Todos são fatores que agravam a situação do conhecimento médico, dos seus baixos salários e honorários médicos, e do excesso de trabalho com exposição direta sobre suas atividades. Entidades como o CFM, a Associação Médica Brasileira e a Federação Nacional dos Médicos vêm trabalhando no enfrentamento a tais agravantes.
É possível ao médico prevenir estes problemas? Quais as principais medidas para isso?
Não existe outra saída senão a do enfrentamento. A Agência Nacional de Saúde Suplementar, que gerencia mais de 35 milhões de brasileiros vinculados aos planos de saúde, tem se mostrado incapaz de corrigir aquilo que ela mesma determina a estes mesmos planos. A Classificação Brasileira Hierarquizada de Honorários Médicos, datada de 2003, que deve ser interpretada como o balizador ético da prática médica, tem encontrado enormes dificuldades em sua implantação. Os seus valores ainda não são aceitos por todas estas empresas, o que tem gerado desconforto para toda a sociedade médica. Historicamente, só se conseguiu algum avanço quando as sociedades enfrentaram estas situações com atitudes vigorosas. Exemplos atuais são a Pediatria, Cirurgia Cardíaca, e outras. Na Obstetrícia teremos que adotar as mesmas condutas radicais que vêm trazendo efeitos  positivos a estas sociedades, quem sabe buscando na Justiça Civil condutas como a perda do direito econômico, ou como a situação trabalhada e conseguida pelos obstetras mineiros e paulistas. A luta continua. Não podemos ter medo de enfrentar estas situações e precisaremos de todos os colegas no movimento.
Manter-se atualizado e revalidar o Título de Especialista são ferramentas importantes no caso de uma denúncia ou julgamento?
 
O CFM e a AMB, por meio de suas Federadas, estabeleceram a necessidade de recertificação do Título de Especialista a cada cinco anos. O próprio Código de Ética Médica exige atualização constante pelo melhor para o paciente. Os cursos a distância também serão de enorme interesse para a reciclagem. A atual gestão da FEBRASGO deverá pensar nesta possibilidade de forma mais atuante e persistente. É bom lembrar que em casos da Justiça Civil e Penal são frequentes as cobranças de atualização por parte dos médicos.
Qual a opinião do senhor sobre seguros contra erro médico?
Particularmente sou contrário ao seguro contra a má prática médica. Está provado que tal situação não traz nenhuma segurança adicional ao trabalho médico, sendo um custo adicional. Os processos contra profissionais em países que adotam este seguro não diminuíram as denúncias, ao contrário elevaram tais números. As próprias entidades nacionais têm se posicionado de forma contrária a sua implantação.
BOXE
Denúncias em números
 
O Conselho Federal de Medicina (CFM) recebe processos em grau de recurso, isto é, apresentados quando uma das partes não concorda com a decisão tomada pelos Conselhos Regionais de Medicina. Nos últimos quatro anos foram 3.439 recursos de médicos processados nas diversas especialidades. Pouco mais de 13% deles envolviam ginecologistas e/ou obstetras.
2007
Ginecologistas e obstetras: 66
Ginecologistas: 34
Obstetras: 18
TOTAL: 846
2008
Ginecologistas e obstetras: 49
Obstetras: 40
Ginecologistas: 26
TOTAL: 839
2009
Ginecologistas e obstetras: 49
Obstetras: 33
Ginecologistas: 10
TOTAL: 791
2010
Ginecologias e obstetras: 75
Obstetras: 37
Ginecologistas: 21
TOTAL: 963
Números referentes aos diversos tipos de recursos: processos ético-profissionais, sindicâncias, procedimentos administrativos e interdições cautelares, somados a pedidos de revisão e de desagravo
Fonte: CFM

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