Serra e os vampiros

Serra e os vampiros

O inquérito sigiloso da Operação Vampiro mostra como a quadrilha agiu livremente na gestão de José Serra, sem ser investigada. E prova que Serra sabia

Em suas investigações, a Polícia Federal descobriu que, em 2001, chegou uma denúncia anônima encaminhada diretamente a José Serra e protocolada no Ministério da Saúde. Segundo o relatório da PF, a denúncia “dá conta da prática de diversos crimes”. Havia dois acusados. Um deles era Platão Fischer Puhler, diretor do Departamento de Programas Estratégicos e um dos homens de confiança do ministro. O outro era o empresário Jaisler Jabour, que mais tarde se descobriu ser o chefe do braço na iniciativa privada dos vampiros. Segundo a denúncia, Platão estava cometendo “as maiores barbaridades” no milionário setor de compras, em parceria com Jabour. Ele dizia que a preferência dos envolvidos era por compras internacionais, que facilitariam depósitos em contas bancárias estrangeiras. “O que está ocorrendo nesta área é um escândalo”, dizia a denúncia. A polícia constatou que Serra recebeu o documento. E leu. O que fez Serra? Em vez de protocolar um ofício formal na PF, mandou o próprio Platão, o acusado, ir lá para denunciar a si mesmo. Curiosamente, nada aconteceu. O caso dos vampiros só estourou três anos depois, durante o governo Lula.
Em maio último, Platão foi chamado pela PF para dar explicações sobre os vampiros. Ele confirmou que aquela denúncia o acusava naquele período de crime de extorsão. Platão confirma que Serra pediu que ele fosse à PF, na companhia de Barjas Negri, o então secretário-executivo que agora é acusado pela família Vedoin de envolvimento com a máfia das ambulâncias. Platão Fischer Puhler, àquela altura, atuava como “curinga” de Serra, gozando de “muito prestígio” junto ao ministro, conforme declarou o servidor Nilton Pinheiro à PF. Por 15 anos, Nilton presidiu investigações disciplinares contra servidores da Saúde, mas foi “encostado” na gestão do tucano. Quando estourou a Operação Vampiro, Nilton participou das apurações e descobriu “dezenas de processos” pendentes de investigações na Saúde. Ele contou na PF que sumiram inúmeros bens e documentos na Central de Medicamentos, Ceme, quando o interventor era Platão. Denunciou ainda uma compra em quantidade “exorbitante” de espermicida Nonoxinol, para evitar
gravidez na população de baixa renda.
Outra testemunha-chave é a secretária de Platão, Rozuíla Maura Cunha. Ela foi à PF e confirmou a compra de espermicida. Ela foi mais além e detalhou como nasceu a idéia de montar um comitê eleitoral para Serra, ainda em 2002. Platão, disse ela, afastou-se das funções no Ministério para montar um comitê eleitoral na Asa Sul, no centro de Brasília. Platão chamou Rozuíla para trabalhar por dois meses no comitê. A empresa Voetur, contou Rozuíla à polícia, participou da montagem do comitê pró-Serra, fornecendo telefones, estrutura para computador e camisetas. Desde 2002, a Voetur vem sendo envolvida em sucessivas denúncias de irregularidades em contratos com vários ministérios. Rozuíla afirmou que Platão tinha bom relacionamento com os empresários que representam a Voetur, entre
eles Raimundo Brasil. Os empresários, acrescentou, compareceram várias vezes ao comitê de Serra. Ao final do depoimento de Rozuíla, o delegado registrou que a Voetur aparece em auditorias do Ministério da Saúde como empresa envolvida em possível fraude e que tal investigação deverá ser sacramentada em inquérito próprio. O Ministério da Saúde já pagou mais de R$ 80 milhões à Voetur. Platão tinha sucessivas reuniões em sua sala com o vampiro Jabour, segundo depoimento de Rozuíla.
A secretária-adjunta de Platão no Ministério da Saúde, Abadia Francisca de Araújo, confirmou que a Voetur pagou praticamente toda a montagem do comitê de Serra. “Platão comentou com todos que a Voetur foi quem bancou todas as despesas daquele comitê”, declarou Abadia. Ela revelou ainda que Platão viajava muito para o interior e para o Exterior com passagens pagas pelos laboratórios. Quando o Ministério pagava as passagens, disse, Platão não as utilizava e ainda trocava por dinheiro. “Todos os laboratórios bancavam passagens para Platão”, declarou. Platão tinha o hábito de receber presentes dos laboratórios, como relógios. Os presentes, revelou à PF, eram entregues na residência de Platão. Nessa época, o curinga de Serra levava a família todos os anos para um tour pela Europa. A secretária Rozuíla disse à PF que certa vez Platão pediu uma passagem aérea para um homem chamado Lincoln, da empresa Glaxxon.
Motorista de Platão na Ceme e no Ministério da Saúde, Manoel Ramos Macedo confirmou na PF as viagens gratuitas do chefe. Ele diz ter levado Platão várias vezes ao hangar que ele se lembrava como sendo da Voetur. “Platão dizia que ia pegar uma carona de avião, quase sempre com destino a Uberaba”, disse o motorista. O curinga de Serra começou a namorar uma moça chamada Taís. A secretária-adjunta Abadia Francisca conta que Platão deu à moça um apartamento e um carro. O pai da moça ganhou emprego na Voetur e a mãe na Anvisa. Para cativar a moça, Abadia afirmou que Platão “chegou ao ponto de utilizar o helicóptero” do indiano Naresh. Trata-se de Naresh Kumae Vashist, representante da Hetero Drugs, da Índia, fabricante de coquetel contra Aids. Ele afirmou que Platão freqüentava sua residência, à noite. Nessas visitas, contou o indiano à PF, Platão queria convencer a Hetero a firmar parceria com a Nova Índia, fabricante de genéricos veterinários em Uberaba, sua cidade. Em seu depoimento à PF, Platão Fischer confirmou que várias pessoas deram móveis, cadeiras, balões, bolas e telefones para o comitê de Serra. Entre os empresários que contribuíram, diz ele, estavam os senhores Brasil, da Voetur, e Leoberto, da empresa Air Way. Mas o Comitê Nacional do PSDB não declarou estas despesas na prestação de contas apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral.
Sangue e corrupção: o caso dos vampiros e os R$ 10 bilhões
Tráfico de influência, corrupção e maracutaias enlameiam tucanos e petistasMais um escândalo de corrupção vem à tona e respinga lama em tucanos e petistas. 
A maracutaia agora envolve tráfico de influência sobre as licitações para a compra de medicamentos, principalmente hemoderivados (plasmas sanguíneos utilizados em hemodiálises), adquiridos pelo Ministério da Saúde.
Segundo o Ministério Público e as investigações da “Operação Vampiro”, realizadas pela Polícia Federal, a quadrilha do sangue atuava dentro do Ministério na Coordenadoria Geral de Recursos Logísticos da Saúde, comandada desde o início do governo Lula, por Luiz Cláudio Gomes, amigo pessoal do ministro Humberto Costa.
Tucanos e vampiros
As investigações indicam que os “vampiros” da máfia do sangue faziam parte do esquema PC Farias (rede de corrupção montada por Paulo César Farias nos anos 90, durante o governo Collor). Porém, a máfia seguiu atuando impunemente durante os governos seguintes. Ao longo desses anos todos, calcula-se que foram desviados mais de R$ 10 bilhões do Ministério da Saúde.
Durante o governo FHC, o então ministro José Serra conviveu por quatro anos com a máfia do sangue. Nesse período, eles não foram incomodados e embolsaram R$ 120 milhões por ano.
É difícil imaginar que Serra não soubesse de nada do que estava acontecendo debaixo do seu nariz. É como achar que FHC, em seu governo, não sabia de nada sobre os escândalos do Proer, Sivam, Sudam, Sudene, Dossiê Caymann, compra de votos na emenda da reeleição e muitos outros.
O “Waldomiro” de Humberto Costa
Quando era prefeito de Recife, em Pernambuco, Humberto Costa teve a Secretaria de Saúde de sua administração chefiada por Luiz Cláudio que, depois das eleições de Lula, foi transferido para ser um dos homens fortes do seu ministério.
A maracutaia envolve, também, lobistas e empresas multinacionais ávidas por abocanhar contratos milionários em compras governamentais. Um dos lobistas acusados, Laerte de Arruda Corrêa Junior, arrecadou dinheiro junto a empresas farmacêuticas para a campanha eleitoral do PT, em 2002, e tinha relações diretas com o tesoureiro petista Delúbio Soares. O próprio Delúbio admite que pediu auxílio para arrecadar dinheiro para a campanha petista. De acordo com o tesoureiro, a ajuda foi solicitada porque “Como é lobista há anos e anos, ajudava nas conversas”. Na campanha eleitoral, o PT recebeu, pelo menos oficialmente, cerca de R$ 1,6 milhão de doações de laboratórios e de empresas farmacêuticas.
É cada vez mais comum o envolvimento de figurões do governo petista em escândalos de corrupção. O mais notório foi o que envolveu o braço direito do ministro José Dirceu, Waldomiro Diniz, cujo favorecimento a bicheiros em licitações em troca de propinas e “contribuições” a campanhas petistas acabou por revelar até onde vão as conseqüências das alianças entre o PT e a burguesia. Ao optar por governar para os ricos, aliado a bandidos como Quércia, Maluf e Sarneys da vida, o PT acabou incorporando em seu cotidiano a corrupção que toma conta de toda a institucionalidade e da classe dominante do país.
Também não é nenhuma novidade o financiamento das campanhas petistas por grandes empresas. Há muito tempo o PT recebe dinheiro de banqueiros, latifundiários e empresas que parasitam o Estado. Ao receber esses financiamentos, o PT fica com o rabo preso com essas empresas.
As administrações petistas estão recheadas de exemplo de favorecimentos a empresários. Para ficar só num exemplo: o governo de Marta Suplicy, em São Paulo, favoreceu os cartéis do transporte coletivo e empresas de coleta de lixo trabalham sem licitação. O governo Lula está cada vez mais parecido com o governo FHC, além de aplicar a mesma política econômica ditada pelo FMI. O governo do PT se tornou protagonista da bandalheira. Como já alertávamos em outras edições: Muitos “Waldomiros” ainda virão.
Para o caso da máfia do sangue não virar pizza, é preciso prender todos os “vampiros” envolvidos com o desvio de recursos e expropriar seus bens. Exigimos também a imediata demissão do ministro Humberto Costa e uma profunda investigação sobre as relações entre Serra e os “vampiros”, que atuaram impunemente durante sua gestão no Ministério da Saúde. Para isso é necessário organizar uma comissão de entidades democráticas – como OAB, CNBB, ABI e outras – juntamente com personalidades para apurar com idoneidade, não só o atual escândalo dos vampiros, mas também o caso Waldomiro Diniz.
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