domingo, 21 de agosto de 2016


4 de novembro de 2013

EUA usaram médicos para participar e desenvolver torturas

Por Kevin Gosztola [*]

Tradução de Paula Sequeiros

[Dissenter] Depois dos ataques de 11 de setembro de 2001, médicos e outros profissionais de saúde, “em especial os psicólogos”, tiveram envolvidos “na concepção e administração” de tratamento brutal e de tortura. Esta conduta estava “em claro conflito com princípios profissionais internacionais e nacionais estabelecidos e com leis”, conclui um novo relatório de um grupo de missão convocado pelo Instituto para a Medicina como Profissão (IMAP) e as Fundações Open Society.

relatório detalha como profissionais médicos a trabalhar para a CIA e o exército dos Estados Unidos receberam ordens para se desviarem das normas profissionais e da conduta ética que se espera que sigam. O relatório chama a atenção para o papel que o pessoal médico desempenhou ao infligir tortura e causar tratamento cruel, desumano e degradante em prisões como a Baía de Guantánamo, Abu Ghraib ou em prisões secretas várias operadas pela CIA.

O Departamento de Justiça dos Estados Unidos desempenhou um papel chave nesse desvio ao aprovar “métodos de interrogação” que constituíam tortura. Os presos capturados também foram classificados na “guerra contra o terror” como “combatentes ilegais,” sendo considerados indivíduos que não se qualificavam como presos de guerra ao abrigo das Convenções de Genebra.

“O segredo que rodeou os procedimentos de detenção prevalecentes até 2004–2005, quando documentos vazados a público os começaram a revelar”, desempenhou um papel chave no envolvimento de pessoal médico também na tortura. “O segredo permitiu que os interrogatórios ilegais e anti-éticos e os maus tratos a detidos prosseguissem sem restrições de princípios éticos estabelecidos e de códigos de conduta e que não tivessem comentário a nível social, profissional ou não governamental, nem parecer legal.”

Na CIA, quem trabalhava para o Gabinete de Serviços Médicos deveria ajudar a avaliar todo o dano potencial que pudesse ser causado por técnicas de tortura. Eles “recomendaram limites, tais como parar de expor ao frio precisamente no ponto em que se pudesse instalar a hipotermia”. Pararam ruídos fortes imediatamente antes que “ocorresse a perda de audição permanente”. Restringiram a 48 horas o uso de posições forçadas prolongadas. E quando a CIA quis usar afogamento simulado, deviam assegurar que “equipamento e material de ressuscitação para traqueotomia de emergência” estavam prontamente disponíveis.

Durante o afogamento simulado, segundo o relatório, “as linhas de orientação aconselhavam que um sujeito sem resposta fosse imediatamente recomposto e que um golpe logo abaixo do esterno fosse administrado pelo interrogador”. Essas linhas de orientação também indicavam que “se isto não conseguir recuperar a respiração normal uma intervenção médica agressiva é necessária. Qualquer sujeito que tenha atingido um grau de cedência não é considerado candidato adequado a afogamento simulado e o médico no local não pode concordar que se use mais afogamento sem consulta e aprovação do Gabinete de Serviços Médicos”.

O pessoal médico clínico a trabalhar para o exército dos Estados Unidos foi empregue “em vários aspetos de interrogatório bem como noutras funções de segurança.”

Um dos primeiros casos foi a tortura de Mohammed al-Qahtani, suspeito de estar implicado nos sequestros a pilotos do 11 de setembro mas que nunca chegou a ir para os EUA. Foi interrogado por um período de 54 dias. Os soldados usaram ruídos muito fortes, gritos e obrigaram-no a manter-se em pé. Submeteram al-Qahtani “a múltiplas formas da humilhação sexual e religiosa”. “Mergulharam-no em água fria (inclusive quando ele estava nu)”. Amarraram-no “em posições forçadas dolorosas”. Tudo isso se realizou enquanto estava presente um membro da Equipa de Consultores em Ciências Comportamentais do exército (ECCC).

As ECCC foram desenvolvidas, segundo o relatório do grupo de missão, para aconselhar “funcionários de espionagem e detenção sobre condições de aprisionamento que reforçassem o choque da captura, afastassem expectativas, encorajassem a dependência, e apoiassem a exploração dos detidos para promover a recolha de informações”. Eles iriam aconselhar quão duro devia ser o interrogatório de um preso. Iriam recomendar que ventoinhas e geradores fossem usados para criar “ruído branco” que pudesse atuar “como uma forma da pressão psicológica”. Iriam restringir os detidos a apenas quatro horas do sono por dia ou aconselhariam que os militares privassem os detidos “de coisas básicas para a sua vida” como “lençóis, cobertores, colchões e toalhetes”. Foi sugerido também o controle de acesso ao Corão.

Uma secção do relatório sobre assistência médica disponível para os detidos indica que não foi feita “nenhuma investigação clínica oficial das circunstâncias ou causas” do sofrimento de qualquer detido. Todo o diagnóstico de stress pós-traumático foi feito “por avaliações médicas independentes” que foram proporcionadas por advogados em representação de detidos.

“Em casos em que a conexão entre práticas abusivas e deterioração psicológica eram auto-evidentes, como o uso do isolamento que levava a ansiedade, depressão ou psicose graves, os clínicos não tinham autoridade para mudar as circunstâncias do confinamento”, afirma o relatório.

O grupo de missão aponta para três “mudanças chave nos padrões dos princípios de conduta” que levaram diretamente a que profissionais passassem a estar envolvidos em abusos e tortura.

O Departamento de Defesa adotou uma norma segundo a qual membros de ECCC não estavam “sujeitos aos deveres éticos todos da sua profissão embora eles lhes seja exigido ter licença”. Reclassificaram esses médicos como “combatentes” para deixarem de estar vinculados pelo dever de “evitar ou minimizar os males”.

Além disso, o Departamento de Defesa decidiu equiparar normas legais a normas éticas. O grupo de missão explica que “um profissional de saúde tem obrigação de não participar em atos que deliberadamente imponham dor ou sofrimento a uma pessoa”. Contudo, substituindo normas éticas por normas legais, o Departamento de Defesa "arrancou" as normas éticas que o pessoal médico deveria seguir.

As ECCC também foram reclassificadas como “agentes de segurança” na sequência de muita crítica ao papel dos profissionais de saúde em interrogatórios. Essa reclassificação, que permite ao governo dos Estados Unidos autorizar o pessoal médico a participar em atos que resultem em sofrimento, permanece hoje em vigor.

Como o relatório do grupo de missão descreve:
"Estas descrições racionalizaram a participação de profissionais de saúde em interrogatórios e revelaram as funções contraditórias que os profissionais de saúde têm desempenhado. A designação de agente de segurança, por exemplo, foi acompanhada da responsabilidade por identificar a vulnerabilidade dos detidos e por colaborar com os interrogadores na sua exploração. O Departamento de Defesa nunca abordou a contradição nesses papéis. Mais ainda, os princípios éticos médicos não permitem qualquer papel num interrogatório individual, mesmo sob a capa de agente de segurança, dado que a mera presença pode transmitir aprovação de práticas abusivas contanto que o profissional de saúde não exprima nenhuma objeção".
Na Baía de Guantánamo, foi implementada uma política para permitir que interrogadores usassem “informação médica e psicológica” em detidos para “explorar” a fraqueza durante os interrogatórios. O Comité Internacional da Cruz Vermelha informou em 2004 que os interrogadores militares podiam aceder livremente ao registos médico de detidos. Esta informação médica pode ser usada “para reunir informações secretas” e é permitido às ECCC fazer a avaliação psicológica que é transmitida aos interrogadores, desde que que aquela informação não seja usada para tratar um preso desumanamente. O grupo de missão incita a que se acabe com esta prática.

O relatório do grupo de missão aborda o papel do pessoal médico na alimentação forçada. O relatório não aceita a argumentação do Departamento de Defesa de que a alimentação forçada é levada a cabo para salvar vidas. Foi “usada correntemente, não apenas em instâncias raras em que a vida de um detido estava ameaçada”. Foi usada explicitamente para quebrar os protestos políticos. E por isso toda a alimentação forçada deve ser “proibida”.

Por fim, o relatório propõe que o pessoal médico seja responsabilizado pelo seu papel na tortura ou no tratamento desumano informando mais o público sobre o papel do pessoal médico no que aconteceu. Devia haver mais “pesquisa de factos e investigação” a par de “ação disciplinar mais forte através dos órgãos estatais que atribuem licenças a profissionais de saúde”.

O relatório sugere que os militares e os profissionais de saúde dos serviços secretos sejam sujeitos ao mesmo sistema disciplinar civil que outros profissionais de saúde porque, independentemente de onde trabalham, todo o pessoal médico militar e dos serviços secretos é composto por médicos e psicólogos dos Estados Unidos.

No Alabama, na Califórnia, Geórgia, Luisiana, em Nova York, Ohio e no Texas todas as queixas apresentadas contra profissionais de saúde alegadamente implicados em tortura na Baía Guantanamo ou em prisões secretas da CIA foram abandonadas. Nenhuma queixa levou a audições formais quem pudesse pedir responsabilidades a quem quer que fosse.

Os órgãos estatais que atribuem licenças não têm querido "apresentar queixas por conduta imprópria dentro das agências nacionais de segurança”. O grupo de missão recomenda que isto seja alterado, especialmente porque daria poder aos “profissionais de saúde para resistirem às exigências das autoridades no sentido de se envolverem em atos que violam as suas responsabilidades profissionais e para reportarem abusos quando entendessem que ocorriam”.

Concluindo, embora o grupo de missão não o declare, esta falha na responsabilização dos profissionais médicos deve ser entendido no contexto da questão mais ampla da impunidade para os implicados em autorizar e aplicar tortura durante a “guerra contra o terrorismo” sob a presidência de George W. Bush. Tem sido política do Presidente Barack Obama descriminalizar a tortura e não acusar antigos funcionários de administração de Bush responsáveis por tratamento cruel e desumano. A sua administração preside também a comissões militares em Guantánamo que não admitirão em tribunal provas de tortura a apresentar pelos muito poucos acusados que tiveram uma amostra do que é o processo devido, depois de serem efetivamente acusados por crimes.

Um relatório de 6300 páginas do comité de informações de estado do Senado detalha o papel da CIA na tortura e provavelmente contém pormenores críticos sobre o papel do pessoal médico na tortura, embora permaneça secreto. A CIA conseguiu efetivamente resistir ou evitar até aqui esta divulgação e a administração Obama não tomou medidas para ordenar que seja divulgado sob qualquer forma, o que permitiu à CIA continuar a escapar à responsabilidade plena pelo seu papel na tortura de presos.

O relatório completo “Ethics Abandoned: Medical Professionalism and Detainee Abuse in the War on Terror” pode ser lido aqui.

[*] Kevin Gosztola is a trusted author who publishes his writing regularly to OpEdNews and Open Salon and he is a 2009 Young People For Fellow. He is a documentary filmmaker currently completing a Film/Video degree at Columbia College in Chicago. Currently, he is working on a documentary project on Renaissance 2010 and Chicago Public Schools. On Columbia College's campus, he helps organize events and programming with a humanities/social sciences group known as Critical Encounters. He is currently working with the group to plan a media summit for Chicago in April 2010 and is currently seeking speakers who are willing to participate in talking to artists and media makers about how they can use participatory or social media to create art & media that promotes conversation and action on political, social, and cultural issues.
Justiça05/04/2016 | 15h28Atualizada em 05/04/2016 | 20h50

Médicos do Husm são condenados por estelionato

Para juiz, oncologista aposentado não foi ao plantão por três anos. Seu chefe, na época, acobertou caso

Médicos do Husm são condenados por estelionato Eduardo Aigner/Agencia RBS
Foto: Eduardo Aigner / Agencia RBS
Um médico aposentado e outro ainda vínculado ao Hospital Universitário de Santa Maria (Husm) foram condenados por estelionato pela 2ª Vara Criminal da Justiça Federal de Santa Maria. As penas foram fixadas pelo juiz federal Jorge Luiz Ledur Brito, titular da 2ª Vara, e incluem pagamento de multa e detenção em regime semiaberto.
A decisão, que é de segunda-feira, tem como pano de fundo os anos de 2007 a 2010, época em que o então médico do Husm Carlos Roberto Felin ausentou-se de suas funções como plantonista da UTI Adulta (leia sobre o caso ao lado).
O vácuo deixado pelo profissional teria contado com a condecendência de um de seus chefes, o também oncologista Everaldo Hertz, que comandou o setor de 2009 a 2010.

Médico terá de pagar multa de mais de R$ 1 milhão para Hospital UniversitárioNo entendimento da Justiça e do Ministério Público Federal, Felin agiu de má-fé, causou dano ao erário público e colocou em risco a vida de pacientes que necessitavam de atendimento. Isso porque, ao se ausentar, Felin pagava a residentes para substituí-lo nos plantões médicos.

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Terceiro médico investigado pelo MPF, Sergio de Vasconcellos Baldisserotto foi inocentado pelo juiz a pedido do próprio MPF.  No entendimento da Justiça e dos procuradores, Baldisserotto, que chefiou a UTI Adulta de 2007 a 2009, avisou as autoridades da situação e, inclusive, negou-se a assinar os extratos que validariam a frequência de Felin no trabalho.
Condenações e defesas
Felin foi condenado a seis anos e oito meses de reclusão em regime semiaberto. O advogado dele, Fábio Medina Osório, avalia que o seu cliente "sempre autou com transparência e boa-fé e com conhecimento de seus superiores hierárquicos, não tendo havido qualquer prejuízo ao erário e aos seus pacientes". Medina afirma que "a condenação é absurda, desproporcional e arbitrária".
Hertz foi condenado a cinco anos de reclusão em regime semiaberto. Bruno Seligmann de Menezes, que cuida de sua defesa, segue na mesma linha e afirma que a "pena foi excessiva" e "a sentença está dissociada das provas dos autos e sem dizer que não houve qualquer prejuízo a quem precisou do serviço". Já Debora Poeta Weyh, que fez a defesa de Baldisserotto, diz-se aliviada por ter prevalecido a Justiça ao seu cliente.

Leia mais sobre o Hospital Universitário de Santa MariaÀs penas de Felin e de Hertz, na ação criminal, não cabem substituição por prestação de serviços comunitários. Ambos ainda poderão perder os cargos públicos e terão de pagar pelos valores recebidos indevidamente.
Felin já foi condenado em uma ação civil por improbidade administrativa em 2015. Os fatos são os mesmos. Nesse caso, Hertz também é réu no processo. Ambos foram condenados ao pagamento de multa. Contudo, como os recursos a

Médico que submetia pacientes sem câncer a quimioterapia é condenado à prisão

Mais de 500 pessoas foram afetadas por tratamentos desnecessários, que o oncologista americano Farid Fata, condenado a 45 anos, recomendava em troca da comissão paga por planos de saúde

Um oncologista americano foi condenado a 45 anos de prisão nesta sexta-feira por submeter centenas de pacientes a quimioterapias desnecessárias em troca de comissão de companhias de seguro-saúde. Os tratamentos agressivos impostos pelo médico Farid Fata, que tinha sete clínicas na região de Detroit, no Estado de Michigan, afetaram seriamente a saúde de 553 vítimas.
Especialistas que avaliaram os pacientes de Fata descobriram que os tratamentos eram agressivos demais para os tumores diagnosticados e, em alguns casos, o paciente nem mesmo tinha câncer.
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“Ele cometeu uma série de atos criminosos horríveis”, disse o juiz Paul Borman, ao anunciar a sentença. Ao longo do julgamento, o juiz ouviu histórias de pessoas que tiveram sequelas como ossos frágeis e órgãos internos queimados pelo tratamento agressivo e desnecessário.
Fata, de 50 anos, implorou por misericórdia no tribunal. “Eu usei mal meus talentos, sim, e pequei por causa de poder e ganância. Minha busca por poder é autodestrutiva”. Ao todo, a fraude rendeu ao médico 17 milhões de dólares das companhias de seguro-saúde.
O oncologista foi preso em 2013 e se declarou culpado no ano passado por fraude, lavagem de dinheiro e conspiração, mas não chegou a um acordo com os promotores e foi a julgamento. A promotora Catherine Dick pediu sentença de 175 anos de prisão, enquanto os advogados de defesa pediam 25 anos.
(Da redação)