sexta-feira, 28 de agosto de 2015

IMPERÍCIA

Erro médico vira caso de polícia

Delegacia de Curitiba registra uma morte por suposta falha do médico a cada semana. Demora na execução de partos é uma das maiores queixas

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Texto publicado na edição impressa de 07 de julho de 2010
A cassação do registro de médicos acusados de erro no exercício da profissão é quase uma raridade. No Paraná, nenhum profissional recebeu a pena em 2009 ou neste ano, de acordo com o Conselho Regional de Medicina (CRM). A sensação de impunidade tem levado cada vez mais pacientes a buscar o amparo da polícia. Em Curi­tiba, pelo menos um caso de morte por suspeita de erro médico foi registrado no primeiro semestre deste ano.
Segundo o Núcleo de Repressão aos Crimes contra Saúde (Nucrisa), órgão ligado à Polícia Civil, foram 26 ocorrências dessa natureza registradas na capital em 2010. Como a unidade só atende Curi­tiba, é possível que o número de casos no estado seja bem maior. “Acredito que haja uma subnotificação muito grande”, afirma a delegada titular do Nucrisa, Paula Brisola. No ano passado, a delegacia investigou 59 casos de mortes em que houve suspeita de erro médico, um aumento de quase 64% em relação a 2008 (36 casos). Além das mortes, as denúncias de lesões causadas por imperícia médica e de erros que puseram em risco a saúde do paciente são cada vez mais comuns. A delegada questiona um ponto fundamental para a carreira médica: o zelo com o paciente. “Os médicos têm preparo, mas, às vezes, são negligentes mesmo”, afirma.
Gravidez
Paula explica que boa parte dos casos investigados pela polícia é de médicos que deixam pacientes grávidas prontas para dar à luz esperando. O problema prejudica o nascimento das crianças, que acabam morrendo de sofrimento fetal agudo. “A demora em nascer faz com que o bebê respire e ingira o líquido amniótico”, conta a delegada. As negligências podem ocorrer de várias formas, conforme a policial, desde a não solicitação de todos os exames necessários até o esquecimento de uma simples gaze dentro do paciente.
Foi o que ocorreu com Marino Finetti Neto, que morreu aos 26 anos, em 2003. O advogado da família, Alexandre Martins, conta que Finetti procurou o médico para uma consulta, em janeiro daquele ano. Depois de exames, foi constatado um problema congênito no coração de Finetti, especificamente na válvula tricúspide. O problema exigiria intervenção cirúrgica. A operação ocorreu em 7 de março do mesmo ano. No dia em que recebeu alta, ainda na recepção do hospital, ele passou mal e faleceu em seguida.
O exame de necropsia encontrou uma gaze na parede inferior do coração. O erro teria causado septicemia, uma infecção generalizada e, em seguida, o óbito. Foi o segundo erro médico que teria causado uma morte na família. O pai de Finetti morreu, em 1996, após bater a cabeça em uma queda. Logo foi atendido por um médico, que o mandou de volta para casa. De acordo com o advogado Martins, que cuidou do caso na época, o paciente teve traumatismo crânio-encefálico.
Processos
O corregedor do CRM, Alceu Fontana Pacheco Júnior, informa que o conselho apura todas as denúncias encaminhadas pelo Nucrisa. Ele conta que o CRM ouve as versões dos fatos, pede explicações aos médicos e encaminha o caso a uma câmara ética que decide se o caso vai virar processo ou não. O procedimento demora cerca de dois meses. “Não é um erro que vai resultar na cassação”, explica, lembrando que os médicos estão sujeitos a erros como todos. Na opinião do corregedor, é preciso ter muito cuidado para cassar o exercício profissional do médico.
De acordo com ele, é preciso estar muito bem caracterizado que o profissional praticou atos danosos ao paciente, por imperícia, imprudência ou negligência ou ao deixar de usar todos os meios disponíveis de diagnóstico e tratamento a seu alcance em favor do paciente. A assessoria de imprensa do CRM afirma que em 2009 foram julgados 147 médicos em processos éticos-profissionais de primeira instância, sendo que 34 deles foram apenados. Destes, dois tiveram o exercício profissional suspenso por 30 dias. No ano anterior, o CRM abriu 100 processos ético-profissionais, mas não cassou nenhum médico.
Desde abril deste ano, um novo Código de Ética Médica passou a vigorar no Brasil. Além de inovações tecnológicas, o código foca na criação de uma nova forma de relação médico-paciente, fazendo com que o profissional ouça mais a opinião do paciente e discuta em conjunto qual a melhor forma de tratamento. A ampliação do diálogo pode ser uma das saídas para tentar prevenir os casos de erro médico e de mortes decorrentes de falha profissional.

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