sábado, 24 de maio de 2014

Diz o ditado que “Erro de médico a terra cobre”. Agora não

14/02/2013 09h34 - Atualizado em 14/02/2013 09h34
Dirceu Martins
 
Também na medicina, a impunidade aparente, silenciosa, encoberta, dá margem à reincidência. Cria uma subclasse entre os profissionais. Médicos podem errar, são humanos, se bem que se aproximam do sagrado no cuidar de vidas, no andar por esta linha fina e tênue que resvala a morte.
Quantos pacientes carregam as marcas de tratamentos mal executados, medicamentos com erro de prescrição? Como e quando o paciente deve se defender? Como cobrar a justa punição: Valdemar Moraes, com a perda de um irmão por negligência no Hospital Universitário de Campo Grade, resolveu fundar a Avem-MS (Associação de Vítimas de erros Médicos de Mato Grosso do Sul) no intuito de orientar as vítimas e seus familiares. Nas próximas edições pretendemos uma matéria com o Conselho Regional de Medicina-MS e advogados especialistas.
Liberdade – Nós temos dados divergentes em relação à quantidade de vítimas de erros médicos em Mato Grosso do Sul. Quantos casos de “erros médicos” são investigados hoje no estado?
Valdemar Moraes – Setecentos processos. Na Capital, contando todas as especialidades, chega a quatrocentos o número de casos investigados. Tem vários casos de óbito. Na Santa Casa, no (Hospital) Regional. Teve agora o caso do rapaz que morreu por negligência, veio a óbito dentro do Regional.
Liberdade – Foi um erro médico ou negligência?
Valdemar – O hospital está se negando a entregar o prontuário. Existe uma resolução de nº 1.060, do Conselho Federal de Medicina (CFM), que eu entendo não ser Lei, que não aceita a validade de uma procuração apresentada por um advogado. Eu vou até questionar com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MS) porque eu acredito que haja uma prerrogativa do advogado que dá direito a ele de representar a família. Como ele é advogado da Avem, dá o direito dele pegar esse formulário. Eles não estão respeitando nem a procuração do advogado. Eu vou ver isso.
Valdemar Moraes
Liberdade - E este caso, específico, é de negligência médica?
Valdemar - Nós precisamos, nesse caso do José Augusto, ter acesso ao prontuário. Foi negligência? Foi. Da Unidade de Pronto Atendimento da Vila Almeida (UPÀ), porque o rapaz chegou lá, eles limparam e nem deram uma antitetânica nele. Liberaram para retornar à casa. Necrosou a perna do rapaz. Então não houve atendimento correto. Deveriam ter encaminhado. Depois ele foi para o (UPA) Coronel Antonino, que encaminhou para a Santa Casa, que encaminhou para o Regional, aonde ele veio a falecer. Houve erro médico no Regional, sabe por quê? Porque abriram a perna dele em cima de uma cama sem aparelhagem, sem nada. Isto nós temos testemunha.
Liberdade - O procedimento não foi em uma sala cirúrgica?
Valdemar - Não. Até a esposa dele questionou isso. Há testemunha que vai comprovar na justiça. Então, houve erro médico dentro do Regional, houve negligência dentro da UPA da Vila Almeida.
Liberdade - Mas isso tem que ser avaliado?
Valdemar - O que nós precisamos ter muita cautela na questão dos erros médicos, porque pode ser fatalidade e não um erro médico. Eu tenho muita cautela, quando eu pego o prontuário, quando eu tenho acesso, ai sim eu posso dizer que foi erro médico.
Liberdade - Dentro da questão do erro médico, quando o médico busca atender o paciente, mas a clínica ou hospital não oferece plenas condições para o procedimento, mas existe urgência...
Valdemar - Mas o caso desse rapaz que passou pela Santa Casa, e é o hospital que tem mais condições de atendimento, que tem aparelhagem, condições de colocar tubo de oxigênio, tem tudo, a Santa Casa negou atendimento e encaminhou para o Regional. Acho que foi negligência, também, da Santa Casa. E esse caso vai ter que ser visto desde o início na UPA.
Liberdade - Nós sabemos de vários erros de diagnósticos nos postos de saúde.
Valdemar - Isso tem demais. Esses casos da dengue, por exemplo. Estão acontecendo vários erros médicos, negligência a hora do medicamento, não tira um Raio X, uma Ultrassonografia, não encaminha para um hospital. Quer dizer, eles colocam médicos sem especialidade, são médicos recém-formados e sem especialização que são colocados nas UPAs. É assim que morrem as pessoas.
Liberdade - E o que necessitaria haver, na sua opinião, para evitar esses erros?
Valdemar - Teria que ter uma fiscalização, o Ministério Público, a OAB, tem que bater em cima. Acho que há impunidade e, enquanto não houver gente que faça a coisa certa dentro dos hospitais, vai haver muita morte ainda.
Liberdade - Nós temos dados que dizem que entre 2010 e 2011 o registro de erros médicos cresceu em 50% e outro que diz que em 2011 foram registrados 300 erros médicos em Mato Grosso do Sul. Problemas de parto fazem engrossar essa estatística?
Valdemar - É o que mais tem. Na minha opinião estão deixando passar a data do parto. A mulher vai ao hospital porque está com pressão alta ou outra coisa, e o que o médico fala? – Você tem dinheiro? – Não, tem que ser pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Então ele dá um remédio para a minorar a dor e manda voltar em outra data. Nós temos vários casos desses em que o feto já havia morrido dentro da barriga da mãe.
Liberdade - Ainda há denúncias de que eles forçam a cesariana por motivos financeiros?
Valdemar - Esse é outro caso, em Dourados, que está chegando o laudo da Polícia Federal que foi para Brasília, estão forçando a fazer o parto normal para depois, e eles não conseguem fazer o parto, que eu acho outro procedimento que eu acho muito importante, antes do procedimento, que é fazer o ultrassom e eles não estão fazendo isso, então não vêm que o cordão umbilical está enrolado no pescoço. É esse o caso de Dourados que estamos investigando. Eles empurraram o feto para dentro, nem sei se quebraram o pescoço do feto. Pedimos a exumação e estamos esperando o laudo da Polícia Federal. Está acontecendo muito isso aqui, no Hospital da Mulher, na Santa Casa.
Liberdade - Qual o procedimento a ser tomado em caso de erro médico?
Valdemar - A partir do momento em que ocorre um erro médico ou negligência, a família fica desamparada. psicologicamente não tem aonde recorrer. Fica chocada, ninguém quer perder um ente querido. Então ela vai tomar providências bem depois do enterro. O correto seria que a denúncia fosse rápida, para a Polícia Civil que procede à autopsia. Fica mais fácil a comprovação do erro. A necropsia é feita dentro do hospital, mas nós acreditamos que não tenha tanta validade por causa do corporativismo. Entra em contato com nossa associação. Mais de cinco mil pessoas já fizeram denúncias.
Liberdade - Muitas vezes as pessoas, em função do abalo psicológico julgam a seu critério um erro médico que não existiu. Nesse caso a associação evita que essa denúncia que se mostra vazia, tome maiores proporções e ao mesmo tempo tranquiliza a família?
Valdemar - Muitas vezes as pessoas acreditam que houve um erro médico e ligam para a entidade. A gente busca os elementos, ouve os familiares, pede o histórico da família, porque muitas vezes não houve um erro. O que vai provar o erro é o prontuário. Nós temos muita cautela para falar de erro médico, porque você precisa falar e provar. A entidade não passa a mão da cabeça da família e nem do médico. Afinal, do outro lado está um ser humano que é o médico. O grande entrave é que a associação médica não mantém contato conosco.
Liberdade - Os casos comprovadamente de erro médico têm sido punidos?
Valdemar - Isso é que nos deixa humilhados, a nós e a população. O caso não tem punição. O caso da Gislaine, de Ivinhema, que foi acompanhado pela mídia, a punição foi a suspensão de 30 dias. Você acha que para a família dela isso foi uma punição? Para mim esses trinta dias de punição no final de ano foi, férias. E eles estão recorrendo.
Liberdade - E no interior, como está a questão saúde?
Valdemar - Acho que verba existe, vai muito dinheiro, mas infelizmente o dinheiro é desviado. Pode ter certeza de que ele não está sendo investido naquilo que tem que ser feito.
Erro médico: zona nebulosa da doença e da morte - JL NEWS - Notícias de Campo Grande e região

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