sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Cegos de Santa Maria.

6.1.11
O farmacêutico Hugo Dourado e a técnica de farmácia Sónia Baptista vão ter de esperar até 4 de Fevereiro para saberem se vão ou não ser julgados pela troca de medicamentos que provocou a cegueira de seis pacientes do Hospital Santa Maria. Ontem, no debate instrutório, a defesa contrariou muitos dos factos que constam da acusação do Ministério Público (MP), contestando a negligência e a intenção dos dois funcionários do Serviço de Gestão Técnico-Farmacêutico. Os advogados questionaram a ausência do nome da então coordenadora do serviço no despacho de acusação. O juiz Avelino Frescata resolveu adiar a decisão instrutória, "devido à complexidade dos autos apresentados".

Para os dois advogados as incongruências da acusação só podem resultar no arquivamento do processo. No final, recusaram-se a fazer qualquer comentário sobre um dos nomes mais falados na sala de audiências, a coordenadora responsável pelo serviço onde terá ocorrido a troca de medicamentos. No entanto, o advogado do farmacêutico, Ricardo Vieira, reiterou que a posição da defesa foi sempre de "que as responsabilidades deviam ter sido conduzidas de outra forma". E, mesmo que o processo venha a ser arquivado, nota o interesse da defesa para "que surja um processo" para "apuramento de outras verdades dos factos".

Hugo Dourado e Sónia Baptista estavam presentes na sala da audiência e ouviram a procuradora Emília Serrão proferir a acusação do MP que os responsabiliza por seis crimes de "ofensa à integridade física grave, com dolo eventual". Emília Serrão explicou as várias hipóteses que foram sendo excluídas pelo MP até deduzir a acusação. A investigação conduzida pelo MP contou com a colaboração do Infarmed, Inspecção-Geral das
Actividades em Saúde (IGAS) e da Brigada de Homicídios da Polícia Judiciária, que fez uma reconstituição de todos os factos que ocorreram nessa semana. De acordo com o despacho, a 16 de Julho de 2009, pouco depois das 18h30, o farmacêutico Hugo Dourado recebeu seis prescrições médicas do serviço de Oftalmologia para preparação de oito seringas de Bevacizumab (Avastin), que iriam ser ministradas na manhã seguinte.

Depois do arguido imprimir os mapas de produção e produzir os rótulos, a técnica Sónia Baptista foi ao frigorífico buscar o tabuleiro onde se encontravam cerca de 15 alíquotas (sobras de fármacos extraídos da embalagem original), mas apenas uma continha Avastin. Pegou numa sobra de Bortezomib, um citotóxico de administração venosa que provoca destruição celular e preparou oito seringas oftalmológicas. O MP acusa Sónia Baptista de ter agido de forma "apressada" e "descuidada" realizando em 22 minutos, uma tarefa que tem a duração de 35. No entanto, responsabiliza Hugo Dourado por não ter "verificado a preparação". A procuradora recordou as indicações do Manual de Procedimentos e destacou que "aquilo que escapa a um não escapa a outro".

O Manual de Procedimentos foi uma das questões levantadas pelos dois advogados. No caso da acusação que envolve o farmacêutico, este foi um dos elementos fundamentais para o MP. "Todas as testemunhas que trabalhavam no mesmo locam disseram que não existia Manual de Procedimentos, que era a coordenadora do serviço", disse Ricardo Vieira. O advogado sustenta que o Manual terá sido criado "apressadamente" depois da "asneira ter acontecido". De acordo com a defesa de Hugo Dourado, o Manual que consta da acusação e que o arguido não cumpriu, "nunca existiu". Já a ausência de supervisão e dupla verificação das preparações é para Ricardo Vieira consequência de "um serviço desorganizado" e com carência de pessoal. "Depois do incidente foram recrutadas mais 16 pessoas para o mesmo serviço, mas à data só lá estavam três", nota. Outra das dúvidas levantadas pelo advogado é "a falta de confirmação das seringas administradas corresponderem ao dia do incidente".

Victor Faria, representante de Sónia Baptista, também se revelou admirado pela ausência da coordenadora do serviço no banco dos acusados. "Pergunto-me se o seu comportamento não teve matéria penal", aponta. O advogado apontou o dedo ao serviço hospitalar, que "era tudo menos exemplar". Durante a argumentação, Victor Faria, decompôs os vários pontos da reconstituição da PJ, alegando que no final das contas, as sobras (alíquotas) calculadas pela PJ não correspondiam às calculadas pelo advogado. E por isso não haveria nenhum facto que pudesse imputar directamente a Sónia Baptista. O advogado questionou ainda o porquê de a reconstituição só ter tido início dois meses depois do incidente, a 10 de Setembro de 2009, quando nenhuma das técnicas se poderia lembrar das sobras contabilizadas.

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