quarta-feira, 7 de setembro de 2016

Se um médico ministra uma substância sonífera a uma paciente e abusa dela sexualmente, como fica a ação penal?

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Flávia T. Ortega, Advogado
Publicado por Flávia T. Ortega
há 5 meses
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Como fica a ao penal no caso de crime praticado contra vtima que estava temporariamente vulnervel
Imagine a seguinte situação hipotética:
A, mulher de 20 anos, sem qualquer enfermidade ou deficiência mental, estava andando em uma rua deserta quando levou uma “gravata” aplicada por L, vindo a desmaiar em virtude do golpe.
Desfalecida, no chão, A foi estuprada por L, não tendo oferecido qualquer resistência considerando que estava desacordada.
A não ofereceu representação contra L.
O Ministério Público denunciou o agente por estupro de vulnerável (art. 217-A, § 1º) alegando que a vítima, em virtude do golpe sofrido, a vítima não podia oferecer resistência:
Estupro de vulnerável
Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§ 1º Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
No interrogatório, ocorrido mais de seis meses após a autoria ter sido descoberta, o acusado confessou a prática do delito.
Em memorias, o MP pediu a condenação do réu.
A defesa, por seu turno, alegou uma única tese: o delito praticado pelo réu é crime de ação penal pública CONDICIONADA à representação (art. 225 do CP). Como não houve representação no prazo de 6 meses (art. 38 doCPP), houve decadência, que é causa de extinção da punibilidade (art. 107IV, do CP).
O juiz julgou extinta a punibilidade e o MP recorreu alegando que o estupro de vulnerável (art. 217-A) é sempre crime de ação penal pública incondicionada por causa doparágrafo único do art. 225 do CP.
O STJ concordou com a tese do MP ou da defesa?
Da defesa.
A ação penal nos crimes sexuais é regida pelo art. 225 do CP:
Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.
Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.
REGRA (caput): ação penal CONDICIONADA À REPRESENTAÇÃO.
EXCEÇÕES (parágrafo único):
1) Vítima menor de 18 anos: INCONDICIONADA.
2) Vítima vulnerável: INCONDICIONADA.
O estupro de vulnerável (art. 217-A) é sempre crime de ação penal pública incondicionada por causa do parágrafo único do art. 225 do CP? A expressão “pessoa vulnerável” empregada pelo parágrafo único é o mesmo conceito de “vulnerável” do art. 217-A do CP?
NÃO. Para a 6ª Turma do STJ, a “pessoa vulnerável” de que trata o parágrafo único é somente aquela que possui uma incapacidade permanente de oferecer resistência à prática dos atos libidinosos.
Se a pessoa é incapaz de oferecer resistência apenas na ocasião da ocorrência dos atos libidinosos, ela não pode ser considerada vulnerável para os fins doparágrafo único do art. 225 do CP, de forma que a ação penal permanece sendo condicionada à representação da vítima.
STJ. 6ª Turma. HC 276.510-RJ, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 11/11/2014 (Info 553).
Vamos comparar:
1) Se a vítima é pessoa permanentemente vulnerável.
Ex: vulnerável em razão de doença mental.
  • Enquadra-se no conceito de vulnerável do art. 217-A do CP.
  • Amolda-se na definição doparágrafo único do art. 225 doCP.
  • O crime será de ação pública incondicionada.
2) Se a vítima está apenas temporariamente vulnerável.
Ex: encontra-se desmaiada.
  • Enquadra-se no conceito de vulnerável do art. 217-A do CP.
  • NÃO se amolda na definição doparágrafo único do art. 225 doCP.
  • O crime será de ação pública CONDICIONADA.
Veja o que disse o Min. Sebastião Reis Júnior:
“(...) a vulnerabilidade detectada apenas nos instantes em que ocorreram os atos libidinosos não é capaz, por si só, de atrair a incidência do dispositivo legal em questão (art. 225parágrafo único, do CP).
Com isso, afasta-se a interpretação no sentido de que qualquer crime de estupro de vulnerável seria de ação penal pública incondicionada, preservando-se o sentido da redação do caput do art. 225 doCódigo Penal.”
Em nosso exemplo, a vítima estava desmaiada. Embora tenha sido considerada incapaz de oferecer resistência na ocasião da prática dos atos libidinosos, não pode ser considerada pessoa vulnerável para os fins doparágrafo único do art. 225 do CP. Logo, a ação penal era condicionada à representação.
Após a explicação, voltamos à pergunta: Se um médico ministra uma substância sonífera a uma paciente e abusa dela sexualmente, como fica a ação penal? A ação penal, neste caso, será, conforme entendimento do STJ, de ação penal pública condicionada à representação.
Vejamos uma questão do concurso TJRS 2016 que cobrou exatamente a presente questão.
Foi considerada CORRETA o seguinte: Um cirurgião-dentista ministra uma substância sonífera a uma de suas pacientes, à época com 28 anos de idade, alegando que se trata de uma anestesia necessária a um procedimento complexo e demorado. Estando a paciente adormecida, o médico abusa dela sexualmente. Neste caso, verifica-se a ocorrência do crime de estupro de vulnerável previsto no artigo 217-A do Código Penal, cuja ação penal será, conforme recente entendimento jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça, movida pelo Ministério Público apenas na hipótese de haver manifestação de vontade da vítima consubstanciada em representação criminal.
Flávia Teixeira Ortega é advogada formada em Direito pela Centro Universitário FAG, na cidade de Cascavel - Paraná; inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional do Paraná - sob o n. 75.923; Pós-Graduada pela Faculdade Damásio, com título de especialista em Direito Penal ("Lato sensu"). Atua prestando serviços de assessoria e consultoria jurídica a pessoas físicas e jurídicas, nacionais e estrangeiras, dos mais variados setores de atividades; jurista no Jusbrasil e possui uma página no facebook (facebook.com/draflaviatortega); Email: flaviatortega@gmail.com (OBS: Faço audiências/diligências em Cascavel/PR para os Colegas).

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3 Comentários

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A situação de vulnerabilidade então não está na possibilidade ou não da vítima evitar o ato....mas sim na possibilidade ou não de discernimento de promoção ou não de representação....Não é analisada somente no momento do ilicito, mas também após o fato....
O art 217A trata-se de pessoas absolutamente incapaz ,não podendo assim representar,deve representada pelo seu tutor ou curador . As demais pessoa a quem foi ministrada o sonífero e relativamente incapaz podendo tão somente passado o efeito do sedativo retomar sua capacidade plena podendo então mover ação contra o agressor .Por essa razão não cabe o art 217 e sim o 255cp eu também me adiro a essa corrente do MINISTRO Sebastião Reis Junior do STJ do RJ
Buscando-se a definição para o termo “pessoa vulnerável”, encontrei a seguinte (de forma simples e sucinta): “a) Os menores de 14 anos; b) Aqueles que por enfermidade ou deficiência mental não têm o necessário discernimento para a prática do ato sexual; c) Aqueles que, por qualquer outra causa (diversa da etária ou mental), não podem oferecer resistência. Deste caso são exemplos pessoas com incapacidades físicas de mobilidade e fala, embora maiores e mentalmente sãs; pessoas idosas fisicamente incapacitadas e dependentes de terceiros, embora mentalmente sadias etc”. (CABETTE, Eduardo L. S. Ação penal nos crimes contra a dignidade sexual. Disponível em: . Acesso em 27/05/2016).(g.n)
O referido HC 276.510-RJ trata de uma mulher que, com um forte golpe ficou desmaiada, momento este que o criminoso a estuprou. Ou seja, vamos concordar que, ela era maior, capaz e mentalmente/fisicamente saudável, entretanto, no momento do crime, ela estava totalmente debilitada (desmaiada), sem nenhuma resistência sequer!
O art. 217-A do CP dispõe que: “Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. § 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”.(g.n)
Em que pese o entendimento do Colendo STJ, fazendo-se uma interpretação literal do dispositivo legal, verifica-se que aquele que praticar ato libidinoso ou conjunção carnal com pessoa que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência, estará praticando a conduta tipificada como ESTUPRO DE VULNERÁVEL. O entendimento do STJ aduz não ao momento do crime, mas ao discernimento necessário para a compreensão da conduta ilícita que ocorreu e posteriormente sua representação.
Deveria-se aplicar o disposto no art.225parágrafo único c/c art. 217-A, § 1º do CP, tipificando a conduta como sendo ESTUPRO DE VULNERÁVEL, portanto, cabível a legitimidade do Ministério Público como titular da ação penal.
importante salientar que há julgados neste sentido:
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO POR ATIPICIDADE DA CONDUTA OU INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. OFENDIDA DESPROVIDA DA CAPACIDADE DE RESISTÊNCIA POR EMBRIAGUEZ. CONJUNÇÃO CARNAL E ATOS LIBIDINOSOS RELATADOS PELO APELANTE. COMPROVAÇÃO VIA DEGRAVAÇÃO DA FILMAGEM DE APARELHO CELULAR. CONDENAÇÃO MANTIDA. DESCLASSIFICAÇÃO PARA POSSE SEXUAL MEDIANTE FRAUDE. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA DA PENA. EXCLUSÃO DA VALORAÇÃO DESFAVORÁVEL DA PERSONALIDADE DO AGENTE. FUNDAMENTAÇÃO INIDÔNEA. 1. Mantém-se a condenação do apelante pelo crime de estupro de vulnerável, uma vez que, além de ter ele relatado os atos sexuais praticados com a ofendida, em momento em que ela estava desacordada, procedeu à filmagem de toda sua conduta por meio de aparelho celular, cuja degravação demonstra estar a ofendida desprovida de capacidade de resistência no momento dos fatos, inviabilizando, outrossim, sua desclassificação para o crime de posse sexual mediante fraude. 2. Exclui-se a valoração desfavorável da personalidade do agente, porque a existência de vídeos com gravações de atos sexuais com mulheres, não constitui fundamentação idônea para fundamentar sua personalidade distorcida, bem como porque relatado por apenas uma testemunha, sem corroboração por outros meios de prova. 3. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF - APR: 20120710007206, Relator: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, Data de Julgamento: 13/08/2015, 3ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 17/08/2015 . Pág.: 170).

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