quinta-feira, 5 de junho de 2014

Mutirão de Cirurgias Reparadoras: Escalpeladas, vítimas de erro médico?

por Babi Cantuária

"Então o que falaram pra gente, que seria um tratamento
de qualidade e digno, que não ia ter nenhuma consequência.
 Estamos tendo consequências negativas e ninguém fala disso”
O mutirão organizado pelo Governo do Estado, que pretendia recuperar a autoestima das pacientes vítimas de escalpelamento, através de cirurgias plásticas reparadoras, não deu certo. As oito pacientes atendidas pela ação enfrentam graves problemas com o pós-operatório. Uma das pacientes, Maria do Socorro, vítima de escalpamento aos sete anos, passa por reações adversas em diferentes níveis de gravidade. Ela alega que a cirurgia não foi como o oferecido: "Então, o que falaram pra gente foi que seria um tratamento de qualidade e digno, que não ia ter nenhuma consequência. Estamos tendo consequências negativas e ninguém fala disso. Eu vim pra fazer um processo de recuperação e acabei perdendo a parte do couro [cabeludo] que eu tinha. Eu era feliz e não sabia e isso machuca muito", disse.

A paciente reportou ao Telejornal "O Estado é Noticia", do Canal 24 (TV Tucuju), que está há seis meses com uma prótese expansora - espécie de aparelho que permite a excisão quase completa da área calva -, colocada durante a operação, mas que não recebe o tratamento adequado por profissionais em seu pós-operatório. Dessa forma, Maria do Socorro acredita que o seu couro cabeludo está infeccionado, pois sofre com fortes dores de cabeça, sente febre constantemente, e não consegue dormir por conta do inchaço no pescoço e no braço. "O meu braço está infeccionado em função da válvula* que foi colocada pra fazer a expansão. Pra encher esse expansor instalado na região do pescoço*. Então, esse problema que a gente está passando ficou muito restrito a nós, pois as meninas não tem coragem de abrir a boca e falar que o Governo do Estado que ofereceu as cirurgias não concluiu a operação no que tange ao pós-operatório. Parece que elas estão com medo de represálias. Eu não! Eu quero dizer o que está acontecendo comigo".

As complicações das outras sete pacientes, conforme Maria do Socorro declara, foram provocadas pela falta de auxílio no tratamento: "Teve uma moça que pediu pra secar o expansor porque ela não aguentava mais de dor. Perdeu o tratamento porque esvaziou o expansor e não tem como encher. Ela não quer mais. As desistências são muitas". 

Algumas das pacientes do “Mutirão de Cirurgias
Reparadoras em Vítimas de Escalpelamento do
Amapá”, entre elas, Maria do Socorro antes da operação
De acordo com Maria do Socorro, algumas colegas estão com grandes indícios de depressão profunda. Ela também relatou sobre uma paciente que vai às lágrimas quando se recorda que esse seria o melhor natal de sua vida: "Ela me liga e a gente fica conversando bastante. Ela está emagrecendo muito rápido e nem consegue sair de casa, só vai pra consulta e volta pra casa", conta.

O retorno dos médicos para os procedimentos pós-cirúrgicos estava marcado para novembro, mas, segundo Maria do Socorro, não aconteceu, e por isso, a paciente encaminhou um documento ao Ministério Público cobrando a continuidade do tratamento. "A gente queria uma resposta pra saber quando vai ser a cirurgia, porque falaram que ia ser dia 14 de novembro e não aconteceu. E a outra é agora dia 14 de dezembro, mas, não tem nada certo".

A reportagem procurou a Secretaria de Mobilização e Inclusão Social (SIMS), através da titular Eloiana Cambraia. Foi informado que desde fevereiro desse ano, a secretaria presta os cuidados necessários a todas as vítimas de escalpelamento que participaram do processo do mutirão, por meio do "Projeto Libélulas da Amazônia". Eloiana também afirmou que os procedimentos finais serão realizados no período de 13 a 16 de dezembro, onde todas as pessoas serão submetidas ao processo e a avaliação pelos médicos responsáveis. "Todo mundo que passou pelo procedimento em maio e reavaliação em agosto, passará pela reavaliação em dezembro. Quando também serão incluídas as pessoas que pretendem fazer, pois nem todas fizeram em função do estado da saúde das pessoas escalpeladas não atender os requisitos básicos para o procedimento". 

No caso específico de Maria do Socorro, Eloaina explica: "Uma delas, a Maria do Socorro, teve rejeição no expansor. Mas isso aconteceu por conta da falta de cuidado por parte dela. Os médicos sempre orientam quanto a alguns cuidados que devemos tomar durante o processo. Não devemos nos expor ao Sol, ingerir bebidas alcoólicas, andar em festas. Temos que tomar sempre esses cuidados".

Tentamos novamente manter contato com a Maria do Socorro para que ela pudesse se defender das alegações da Secretária Eloiana Cambraia, mas a nossa reportagem não a encontrou mais.



Outro caso
Maria Linadaci Carvalho Chaves, 46 anos, oriunda de Vitória do Jari, sofreu o acidente com a embarcação quando tinha 11 anos. Após ter sido diagnosticada que, caso não realizasse a cirurgia de reparação, corria o risco de adquirir um câncer craniano, pois a pele de sua cabeça estava muito fina, ela optou em participar do mutirão realizado pelo Governo.

Quando a equipe de reportagem foi ao Atalanta Hotel na última quinta-feira (6), Maria Linadaci era a única das vítimas de escalpelamento que se encontrava hospedada, pois ainda continuava com complicações no seu pós-operatório. Segundo Maria, ela voltou a perder cabelos a partir de agosto: "O expansor infeccionou e gerou uma grande ferida em minha cabeça. Não consigo deitar direito, pois dói muito. Estou com os músculos do pescoço deformados e doloridos. É horrível".

A paciente informou, porém, que conta com o apoio do Governo do Estado, através da Secretaria de Estado de Inclusão e Mobilização Social (SIMS). "Desde que fiz a operação estou hospedada neste hotel, recebendo os curativos de enfermeiras e consultas psicológicas", comentou.

 Apesar disso, Maria Linadaci declarou que não pretende fazer outra operação, pois está com medo da reação provocada em seu corpo. Ela gostaria também que os médicos pudessem vir até o Estado do Amapá para avaliá-la e explicar o motivo da ferida na sua cabeça: "Por tudo que já passei, estou traumatizada".


A Secretaria de Estado de Saúde (SESA) se manifestou sobre o ocorrido por meio de Nota de Esclarecimento:

A Secretaria de Estado da Saúde (Sesa) vem por nota esclarecer as informações que foram veiculadas na impressa local sobre a falta de apoio às vítimas de escalpelamento submetidas ao Mutirão de Cirurgias Reparadoras, oferecido pelo Governo do Amapá em parceria com a Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBCP) e Defensoria Pública da União.

1 - Durante as etapas do Mutirão de Cirurgias Reparadoras, ocorridas em março e agosto deste ano, o Governo do Amapá, através da Secretaria de Estado de Inclusão e Mobilização Social (SIMS), ofertou e vem ofertando total apoio as esses pacientes. Os contemplados pelo projeto são assistidos pela equipe das “Libélulas da Amazônia”, que oferece atendimento psicológico e social, e do “Arco de Luz”, responsável pelo acolhimento, transporte, hospedagem e alimentação dessas vítimas.


2 - Para melhor comodidade, a Sesa contratou os serviços do Hotel Atalanta, onde pacientes e acompanhantes ficam hospedados aguardando realizar todos os procedimentos cirúrgicos. Os apartamentos possuem duas camas, além de um colchão boxe, e com essa estrutura é inviável algum paciente pernoitar no chão, como foi mencionado em alguns veículos de comunicação.


3 - Além da comodidade da hospedagem, a Sesa disponibiliza um médico que realiza, todas as quartas-feiras, consultas no próprio hotel com o intuito de acompanhar a evolução do procedimento cirúrgico. Profissionais de enfermagens também são disponibilizados pela Secretaria de Saúde para acompanhar diariamente esses pacientes.


4 - Outras ações oferecidas pela equipe do governo envolvem trabalhos de acolhimento, assistência psicológica e social, mobilização, transporte e inclusão das vítimas em programas sociais do governo do Estado, como o “Renda para Viver Melhor”.


5 - Das 53 pessoas submetidas às cirurgias reparadoras, 48 delas recebem o benefício de meio salário mínimo pelo programa e outras foram contempladas com o aluguel social, também custeado pela SIMS, e que exige do beneficiário a comprovação de vulnerabilidade social.


6 - As ações de apoio às vítimas de escalpelamento ocorreram por etapas, conforme cronograma estabelecido pela Secretaria de Estado da Saúde e pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, responsável pelos agendamentos das cirurgias.


7 - Atualmente a equipe da SIMS faz visitas sistemáticas às pessoas já submetidas às cirurgias reparadoras com a proposta de auxiliar na recuperação da sua autoestima. A maioria das vítimas de escalpelamento assistidas pela SIMS tem baixo poder aquisitivo e o apoio do governo é fundamental para que a recuperação desses pacientes ocorra de forma eficaz.



Escalpelamento
O acidente acontece quando as vítimas, ao se abaixarem para tirar a água do fundo da embarcação – que são artesanais, têm o motor descoberto e localizado no centro para ajudar no equilíbrio –, têm seus cabelos violentamente puxados pela rotação ininterrupta do motor. O escalpelamento é uma lesão considerada grave porque as vítimas têm o couro cabeludo e outras partes do rosto arrancados de maneira parcial ou total. 

O combate ao escalpelamento conta com o apoio da Lei Federal de número 12.199/2010, que consiste em ações de prevenção contra este tipo de desastre, e pretende melhorar a qualidade de vida das vítimas do mesmo. Porém, somente esse mecanismo não alcança o nível de eficiência necessário, pois no Amapá, ainda é grande o número de embarcações sem a proteção no eixo do motor, visto que, muitos condutores recebem o produto, mas preferem não utilizá-lo, porque ele diminui a área útil interna do barco.



“Mutirão de Cirurgias Reparadoras em Vítimas de escalpelamento do Amapá”

As ações atenderam 53 pessoas (entre homens e mulheres) vítimas de escalpelamento, no qual pretendia ajudá-las a melhorar sua aparência, por meio de cirurgias reparadoras divididas em várias etapas. Primeiramente os ribeirinhos passaram por avaliações médicas; depois, 32 pacientes receberam próteses expansoras do couro cabeludo, e logo após, os cirurgiões pretendiam cobrir áreas onde não há cabelo.

A iniciativa é do Governo do Amapá, por meio da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), com apoio da Secretaria de Estado da Inclusão e Mobilização Social (SIMS), Defensoria Pública da União (DPU), além de 42 médicos voluntários, da Sociedade Brasileira de Cirurgias Plásticas (SBCP), vindos de vários Estados do Brasil.


Em entrevista concedida ao jornal TA, o Cirurgião Plástico Membro da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Augusto Púpio, deu o seu parecer técnico acerca dos procedimentos que devem ser desempenhados no pós-operatório de cirurgias plásticas reparadoras.

Tribuna Amapaense – Quanto tempo dura o acompanhamento médico do pós-operatório?
Augusto Púpio – Normalmente, pacientes vítimas de escalpelamento são acompanhadas por toda vida. Como os casos são completamente diferentes de paciente para paciente, não há um prazo definido para seguimento no pós-operatório.

TA – O paciente pode voltar para casa ou tem que ficar no hospital?
AP – Depende do porte da cirurgia. Cirurgias menores, consideradas ambulatoriais, podem receber alta e ir para casa até no mesmo dia! Cirurgias maiores exigem maior tempo de internação. Lembrando que a medicina, hoje, busca a alta mais precoce possível.

TA – O que pode e o que não pode fazer no pós-operatório?
AP – Depende do procedimento que foi realizado. De um modo geral, grandes esforços devem ser evitados. Mas, diferentemente do que era considerado há anos, os pacientes devem realizar suas atividades o mais próximo do normal possível. O mesmo se refere à alimentação. Os cuidados devem ser basicamente em relação aos curativos.

TA – Qual é o prazo entre as consultas?
AP – Não há um prazo fixo porque cada organismo tem um processo de cicatrização único e individualizado. Conforme for a evolução, as consultas, geralmente, são cada vez mais distantes.


*O que é expansor de tecido e válvula: 

As indicações para expansor são múltiplas, desde as reconstruções mamárias até correção de sequelas de queimaduras, passando por cirurgia de calvície, tumores faciais, cicatrizes em geral. Apresentado em dois tipos: expansor implantável para expansão lenta com diferentes válvulas e expansor transoperatório para expansão rápida, durante a cirurgia.

Fonte: http://www.silimed.com.br/silimed/expansor-de-tecido.asp



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