Unidade de tratamento atende 100 médicos dependentes químicos por mês
“Caso Sócrates é emblemático”, diz diretor de programa especializado em atender profissionais da medicina
Sócrates em entrevista recente ao iG
A estatística revela que o jaleco branco não protege os profissionais da dependência química, ao contrário: segundo os médicos especializados em tratar colegas de profissão, o diploma em medicina retarda o reconhecimento da doença, o pedido de socorro e o início do tratamento.
Sócrates, médico e ex-jogador de futebol, é um dos que figuram nas baixas causadas pelo uso abusivo de álcool – ele está internado há 15 dias e com a saúde prejudicada por causa dos danos severos no fígado provocados pela bebida.
Esta é a segunda internação do ídolo do Corinthians. No intervalo entre uma hospitalização e outra, em entrevista ao iG , Sócrates reconheceu que foram as bebidas alcoólicas que o adoecerem, mas não se considera dependente químico. “O problema está relacionado aos hábitos da sociedade”, disse na época.
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“O caso Sócrates é emblemático. Seja para mostrar aos nossos colegas que eles também precisam de ajuda médica quando apresentam problemas como esse, seja para mostrar à população que os médicos também adoecem. As pessoas precisam perdoar os médicos doentes. Nós não somos semi-deuses”, afirma o vice-presidente do Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp), Mauro Aranha.
O Cremesp, em parceria com a Unifesp, criou em 2004 uma rede de apoio aos profissionais que sofrem com o uso de entorpecentes. Desde então, os hospitais, clínicas e consultórios acionam o conselho de classe quando há indícios de abuso de substâncias psicoativas no quadro de funcionários.
“Vamos até o local, conversamos com o médico e identificamos se há necessidade de afastamento do profissional”, explica Aranha. “Sempre indicamos o tratamento médico, mas nem sempre é preciso que eles sejam afastados da prática. Em média, a cada trimestre, atendemos 300 casos de médicos e residentes que sofrem com as drogas.”
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A utomedicação
A utomedicação
As pesquisas que já abordaram o tema dependência química na medicina encontraram entre os médicos índices de uso muito parecidos com os do restante da população.
Uma delas, por exemplo, realizada com 308 profissionais médicos com idade média de 35 anos e em tratamento por dependência – publicada no Caderno de Saúde Pública – mostrou que o álcool (48,2%) e a maconha (17,8%) são as drogas mais usadas pelos médicos e também as mais apontadas como motivo do início do vício. São taxas semelhantes as do público em geral.
Para o coordenador da saúde do médico do Conselho Regional de Medicina do Paraná, Marco Antônio Bessa, a facilidade do acesso às medicações e aos receituários faz com que os medicamentos sejam transformados em drogas de abuso com mais facilidade para os médicos.
“E mesmo que tenham formação para prescrever medicamentoss, o fato de receitarem para si próprios também configura como automedicação e isso gera os mesmos problemas que um leigo teria caso tomasse comprimidos por conta própria”, diz.
Inversão de papéis
Um trabalho feito em 2007 pelo Conselho de Medicina do Paraná demonstrou que em 79,5% dos 112 hospitais e clínicas investigados existiam médicos usuários ou dependentes de tabaco, bebidas alcoólicas, calmantes ou outras substâncias químicas.
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“O médico costuma ser negligente com a própria saúde porque tem dificuldade na inversão de papéis”, diz Marco Antônio Bessa. “Eles foram condicionados a cuidar do outro. Olhar para si é uma tarefa difícil. Os profissionais tendem a dar menos importância aos seus problemas e quem os cerca também resiste em ver que o médico precisa de ajuda.”
Multidrogas
Apesar da maior incidência de álcool, maconha e medicamentos, outras drogas também compõem o vício na medicina. Crack, cocaína, anfetaminas e inalantes pontuaram, juntos, 8,5% entre as drogas mais usadas.
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