Fim da realização de transplantes desespera doentes renais e hepáticos
Jornal do Brasil
Maria Luisa de Melo
O auxiliar de produção Reginaldo Silva Corrêa, 30 anos, teve um rim completamente comprometido depois da demora no atendimento no Hospital de Bonsucesso. Ele foi submetido a uma cirurgia para a retirada de cálculos renais no final de 2011. Depois disso, já no início do ano passado, teve um catéter instalado em seu corpo - responsável por ligar o rim à bexiga.
De acordo com nefrologistas, o tempo máximo que um paciente deve ficar com um catéter deste tipo é de três meses. No entanto, com a greve na unidade no ano passado, Reginaldo teve sua cirurgia desmarcada pelo menos duas vezes. Há um mês, quando retornou à unidade de saúde, descobriu que seu rim esquerdo não funciona mais. Ele credita aos problemas do hospital o prejuízo da sua saúde:
"Quando o médico me disse que o meu rim esquerdo não funcionava mais, fiquei desesperado. Porque eu estava fazendo tratamento para a retirada dos cálculos renais. Eu jamais poderia estar um ano com um catéter, sem atendimento. Os problemas do hospital prejudicam ainda mais a saúde dos pacientes. Se eu tivesse sido atendido mais rapidamente poderia ter me livrado destes problemas de rins. O hospital precisa de mais médicos o quanto antes", pede o paciente.
Transplante é adiado pela terceira vez
Rede pública não acompanha captação
Em 2012 o Hospital de Bonsucesso realizou 133 transplantes de rim e 68 de fígado. Devido ao crescimento na captação de órgãos no estado do Rio de Janeiro, mais 70 rins doados no estado foram repassados para outros estados do país, beneficiando pacientes inscritos no Sistema Nacional de Transplantes, do Ministério da Saúde.
Enquanto a doação de órgãos cresce no Rio - saltou de quatro para 15 doadores por milhão de habitantes - a rede pública parece andar na contramão do avanço. Os 3,8 milhões repassados anualmente pelo Ministério à unidade de saúde parecem insuficientes para atender às necessidades. Hoje o Rio de Janeiro tem uma necessidade de 1600 transplantes. A maior parte trata-se de casos de doentes renais - 1100.
Como aponta o vice-presidente da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos, Lucio Pacheco, o orçamento limitado do HGB e a falta de médicos impossibilitam as cirurgias. Pacheco é ex-coordenador do Transplante de Fígado do hospital federal.
"Muitos médicos se aposentam e não são repostos pelo Ministério da Saúde. Além disso, os salários fora da rede pública são muito convidativos. Os profissionais encontram empregos onde conseguem ganhar o dobro do salário oferecido pelo Ministério", explica Pacheco. "Também há grande déficit de anestesistas. Não havia estrutura no HGB para continuar os transplantes. O que aconteceu foi que chegamos no nosso limite. Por isso, acabou. Chegamos no limite do amadorismo. O Rio precisa de uma política de transplantes mais eficiente, como já acontece em Porto Alegre e São Paulo".
Conforme revela o médico, o principal entrave para a realização de transplantes é que há um impedimento legal para pagar por fora a um profissional cuja especialidade esteja em falta na unidade de saúde.
"É ilegal que o hospital custeie a contratação de profissionais que esteja em falta para compor a equipe e evitar que a cirurgia seja desmarcada. Já tivemos problemas com o Ministério Público por conta disso e não há o que fazer. A lei existe para ser cumprida. O atual modelo de gestão deste e de outros hospitais é engessado".
A solução, para o ex-coordenador de transplante de fígado do HGB, é seguir o modelo já adotado pela Santa Casa de Porto Alegre e pelo Hospital do Rim e Hipertensão - o maior centro de transplantes do mundo. Os dois maiores pólos de transplantes do Brasil trabalham com Organizações Sociais (OSs), o que permite o pagamento dos profissionais por produtividade. Isto é, por cirurgia realizada.
Centro de Transplante na Tijuca
Com inauguração prevista para o dia 18 de fevereiro, o Centro de Transplantes do Rio de Janeiro deve receber os pacientes que estão na fila no Hospital Geral de Bonsucesso. A unidade vai funcionar nas instalações do Hospital São Francisco de Assis, na Tijuca. Lá, devem ser atendidos pelo menos 250 pacientes. O grupo de 18 pacientes agendados para transplantar no Hospital Federal de Bonsucesso, no início deste ano, no entanto, ainda não sabem se tem atendimento garantido na nova unidade.
DPU vistoria setor de transplantes do HGB
Nesta quarta-feira (6), a Defensoria Pública da União no Rio de Janeiro vai vistoriar as instalações dos setores de transplante renal e hepático do Hospital Federal de Bonsucesso (HGB). O objetivo é apurar informações sobre a suspensão dos transplantes no hospital.
O defensor público federal Daniel Macedo vai averiguar condições e infraestrutura do locais onde são realizados os procedimentos, além de ouvir o que médicos e pacientes têm a dizer sobre o assunto. Dependendo do que for constatado, o defensor poderá ajuizar Ação Civil Pública contra a União, pedindo a convocação imediata de médicos habilitados a realizar os transplantes de rins e fígado.
Ministério não comenta fechamento
Procurado pelo Jornal do Brasil para explicar a suspensão das cirurgias de transplantes marcadas para este ano, o Ministério da Saúde não comentou a falta de profissionais na unidade. Também não houve explicação para o adiamento dos transplantes de rim e fígado.
Jornal do Brasil - Rio - Falta de médicos no HGB fez paciente perder um rim no tratamento de cálculo
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